mundo do trabalho

Por que falar sobre salário é importante para mulheres?

Estatisticamente, ser mulher significa ter menos oportunidades de crescimento profissional e receber salários inferiores em comparação com colegas do sexo masculino que desempenham as mesmas funções. E, não, isso está longe de ser um achismo.


8 min

Um estudo da OIT (Organização Internacional do Trabalho) mostra que mulheres ainda recebem até 20% menos do que os homens no mundo. E essa diferença pode ser ainda maior no caso das mulheres negras, imigrantes e mães. Se, na prática, as habilidades falam mais alto no mundo do trabalho, qual a principal razão para isso ainda acontecer? A discriminação com base no gênero.  

Mulheres no mundo do trabalho

Vamos falar de números? Segundo um relatório do Fórum Econômico Mundial, o Brasil ocupa a 57ª posição no ranking mundial de paridade de gênero, que avalia as condições de 146 países. Embora seja um avanço em comparação aos anos anteriores, quando ocupamos o 94º lugar, os dados continuam preocupantes: seriam necessários 131 anos para alcançarmos a igualdade entre homens e mulheres.

No Brasil, as mulheres ganham, em média, apenas 78% do salário dos homens. Mas para as mulheres negras, a situação é ainda mais alarmante elas recebem, em média, apenas R$ 1.471 por mês, o que representa uma diferença de 57% em relação aos homens brancos, 42% em relação às mulheres brancas e 14% em relação aos homens negros. Essa equação não fecha para todos, concorda?

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É possível perceber também que essa desigualdade não se limita apenas aos salários. Ela também se reflete na falta de representatividade das mulheres negras em cargos de liderança. Para se ter uma ideia, apesar de serem 28% da população brasileira, apenas 1,3% das mulheres negras ocupam cargos de chefia em empresas do país.

Esses números são mais do que estatísticas; eles contam histórias de injustiça e barreiras persistentes. Então, por que isso está acontecendo?

O malabarismo invisível: mulheres, maternidade e trabalho

Em meio ao caos e às glórias da vida, as mulheres se veem em um malabarismo nada simples: equilibrar carreira, lar e a maternidade. A maternidade, muitas vezes, é o principal fator da desigualdade salarial. Uma pesquisa produzida pela FGV mostra que quase metade das trabalhadoras gestantes perdem seus empregos após retornarem da licença-maternidade no Brasil.

E não para por aí. As mulheres carregam um peso desproporcional de responsabilidades domésticas. Ao redor do mundo, elas realizam três vezes mais tarefas domésticas e de cuidado do que os homens. É uma jornada dupla, onde além do trabalho remunerado fora de casa, elas também assumem o cuidado da casa, preparação de refeições, limpeza e responsabilidades com filhos e idosos. O trabalho não cessa quando chegam em casa, mas começa um novo “expediente”.

Esse esforço incansável, porém muitas vezes ignorado, é uma das raízes profundas da desigualdade de gênero. Mesmo com iniciativas como a calculadora de trabalho não remunerado da ONU Mulheres, o valor desse trabalho invisível continua subestimado, com consequências devastadoras: menos oportunidades educacionais, profissionais e um custo invisível na saúde mental e física das mulheres.

Por trás dessa disparidade salarial, a ONU identifica diversos fatores:

  • Mães, frequentemente, têm que reduzir suas horas de trabalho devido às demandas familiares;
  • Práticas de contratação e promoção muitas vezes prejudicam as carreiras das mães;
  • A falta de programas de apoio para facilitar o retorno ao mercado de trabalho após pausas na carreira também contribui para o problema.

Mas não é só isso, muitas mulheres ainda não são educadas para crescer no mercado de trabalho. Mais afetadas pela síndrome da impostora, as mulheres se candidatam 20% menos às vagas de emprego que os homens, conforme o relatório Gender Insights do LinkedIn. 

Salário, um tabu no mercado

Se você lembra das primeiras entrevistas de emprego, é provável que tenha ouvido algo do tipo: "Nunca pergunte sobre o salário". Parece que essa recomendação está ficando cada vez mais ultrapassada - e isso é ótimo. Mas por que será que as empresas optam por manter essa informação em segredo?

Segundo uma reportagem do Estadão, as empresas têm seus motivos:

  • Evitar que colaboradores atuais saibam o salário oferecido aos novos contratados;
  • Coibir o envio em massa de currículos por candidatos que não atendem aos requisitos da vaga;
  • Manter a expectativa dos candidatos alinhada com a faixa salarial oferecida pela empresa.

Além disso, manter o salário em sigilo também pode ser uma estratégia para reter candidatos que inicialmente esperam um valor mais alto do que a empresa está disposta a oferecer. Isso porque, muitas vezes, as empresas têm uma margem de negociação, especialmente quando encontram o candidato ideal. Mas quem negocia o salário afinal? De acordo com uma pesquisa do Glassdoor, 68% das mulheres e 59% dos homens aceitam a oferta inicial sem negociar. 

Falar sobre remuneração pode ser um grande desafio. No entanto, especialmente para as mulheres, acabar com o mistério dos salários é também uma prática de equidade de gênero. 

O que diz a lei sobre salários?

O art. 461 da CLT afirma que:

“Sendo idêntica a função, a todo trabalho de igual valor, prestado ao mesmo empregador, no mesmo estabelecimento empresarial, corresponderá igual salário, sem distinção de sexo, etnia, nacionalidade ou idade”.

Simplificando: homens e mulheres que desempenham os mesmos trabalhos e geram o mesmo valor não podem receber salários diferentes.

O artigo 461 da CLT (que regulamenta a equiparação salarial) em teoria seria suficiente para afastar qualquer tipo de discriminação. Ou seja, só ele bastaria para gerar uma multa para as empresas por adotar salários diferentes entre homens e mulheres que possuem o mesmo desempenho, qualidade, prestam serviços ao mesmo empregador e na mesma localidade. Mas, infelizmente na prática, esse artigo não foi suficiente para diminuir as disparidades de gênero, motivo pelo qual tivemos recentemente a Lei 14.611.

Você pode conferir todas as informações clicando nesta página.

Em 2023, a legislação ganhou um reforço

Em julho de 2023, foi sancionada a Lei 14.611, que teve origem no Projeto de Lei 1.085/2023. Essa nova legislação trata da igualdade salarial e dos critérios de remuneração entre homens e mulheres que desempenham trabalhos de igual valor ou ocupam as mesmas funções.

Uma das mudanças importantes trazidas por essa lei é a alteração da multa prevista no artigo 510 da CLT. Antes, a multa era de um salário mínimo, dobrando em caso de reincidência. Com a nova lei, a multa passa a ser de dez vezes o valor do salário que o funcionário discriminado deveria receber, e em casos de reincidência, o valor é dobrado.

E tem mais: as empresas agora são obrigadas a divulgar relatórios semestrais de transparência salarial. Esses relatórios devem incluir informações anonimizadas que permitam comparar salários, critérios de remuneração e a proporção de homens e mulheres em cargos de liderança. (Confira o decreto aqui)

Não apenas as disparidades de gênero serão abordadas nos relatórios, mas também informações estatísticas sobre desigualdades relacionadas à raça, etnia, nacionalidade e idade.

Empresas que identificarem desigualdades salariais devem criar planos de ação para reduzir essa diferença, estabelecendo metas e prazos.

Informação importante: essas multas (a anterior e a nova) não vão para a pessoa empregada. É recolhida para o Ministério do Trabalho e Emprego. 

Para a profissional que se sentir prejudicada, cabe entrar com ação judicial para pedir as diferenças salariais, sem prejuízo de uma possível indenização por danos morais (essa última parte da indenização foi introduzida pela Lei 14.611 - já podia antes, mas não tinha lei assegurando). O que isso quer dizer: não é automático como uma multa aplicada pela fiscalização, a funcionária precisa entrar com ação e passar por todo o trâmite de um processo judicial.

Em resumo, a Lei 14.611/23 visa garantir a igualdade salarial através de:

- Transparência salarial;

- Fiscalização;

- Canais de denúncia;

- Programas de inclusão no local de trabalho;

- Incentivo à capacitação e formação das mulheres para promover sua entrada, permanência e ascensão no mercado de trabalho.

Who run the world? A resposta, nós já sabemos: girls!

No dia 18 de setembro de 2020, a ONU instaurou o Dia Internacional da Igualdade Salarial para fomentar a discussão sobre a desigualdade de salários entre gêneros e promover ações para equilibrar a balança. Quando falamos de mulheres, é necessário que a organização entenda que a equidade salarial caminha junto com políticas de oportunidade e aprendizado. Essa questão vai muito além de ser apenas uma questão de justiça social. Ela afeta a economia, o desenvolvimento e até o potencial de crescimento de todos nós.

Então, como resolvemos isso? Bom, as empresas precisam adotar uma abordagem completa. Isso significa não só garantir que as mulheres recebam o mesmo dinheiro que os homens pelo mesmo trabalho, mas também proporcionar oportunidades justas de crescimento e desenvolvimento.

Em tempos de Beyoncé, com o empoderamento feminino, a mensagem é direta e transparente: empresas que contam com pelo menos uma mulher em suas equipes executivas tendem a ser mais lucrativas. Há diversas líderes que desafiam essas narrativas limitadas e que, junto com suas famílias, impulsionam o sucesso das empresas que lideram. Esses exemplos devem servir de inspiração. 

Espertas o bastante para fazer milhões” e “fortes o suficiente para cuidar dos filhos e depois voltar aos negócios” - Run The World - Beyoncé

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Gabriela Dias

Conteúdo

Assim como a tinta de uma caneta pode transformar um papel em branco, gosto de pensar que, como conteudista, minhas palavras têm […]

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