Pluralidade com interseccionalidade, um match necessário
O que queremos? Construir um mundo mais justo e igualitário. Como queremos? Aí, as respostas começam a ficar mais complexas. Esse é mais um reflexo de toda a rápida evolução que estamos encarando nas relações humanas e, por que não, no trabalho. E para falar disso, precisamos voltar alguns anos no tempo. Mais precisamente em 1968. Você vai entender o porquê.
Naquele ano, a personagem central dessa história, Emma DeGraffenreid, reúne-se com quatro outras mulheres negras, assim como ela, para processar uma empresa de automóveis. A acusação? Discriminação trabalhista. Elas argumentaram que não eram contratadas para o negócio por não serem brancas. Ainda que pareça os dias atuais, o ano era 1968, e a corte, apesar da denúncia, chegou à conclusão de que aquilo não procedia.
“Como seria um caso de discriminação se naquela mesma empresa tinham mulheres brancas na secretaria e homens negros contratados como operários?”. O que a justiça da época não compreendeu foi que aquelas eram mulheres negras, ou seja, o sexismo e o racismo para elas se interseccionavam e não se tratavam de forma isolada. Assim, mesmo que aquele espaço tivesse a presença de mulheres, elas eram brancas, e ainda que tivessem negros, esses eram homens. Os marcadores identitários revelam até onde chegam os privilégios, principalmente quando os impactos das diferenças são sentidos de maneiras distintas por cada pessoa.
Mais que um conceito
Imagine como respondemos aquela velha pergunta “quem é você?”. Podemos elencar características como gênero, etnia, raça, idade, orientação afetivo sexual, expressão, condição física ou psicológica, são muitos pontos. E é por isso que esse processo de compreender a diversidade, a pluralidade como parte fundamental da construção de uma cultura organizacional precisa estar totalmente conectado com o conceito de interseccionalidade.
Ainda que, para algumas pessoas, soe como um tema novo, ele apareceu nos Estados Unidos no artigo da professora da Universidade de Direito da UCLA e pesquisadora crítica de raça, Kimberlé Crenshaw no artigo “Mapeando as Margens: Interseccionalidade, Políticas de Identidade e Violência contra Mulheres de Cor”. Em sua definição, ela fala que podemos entender isso como “uma metáfora para compreender as maneiras como múltiplas formas de desigualdade ou desvantagem às vezes se amplificam, criando obstáculos frequentemente não compreendidos dentro das formas convencionais de pensar sobre o antirracismo ou o feminismo”.
A redação recomenda
O contexto ajuda a perceber a forma com que experienciamos o mundo e as oportunidades, colocando algumas pessoas em degraus acima e outras bem abaixo, com a sobreposição de fatores que não se excluem. Pelo contrário, são interdependentes. Vamos analisar um escritório: talvez, se olharmos ao nosso redor, já consigamos encontrar mais mulheres ocupando espaços de trabalho que antes não víamos. Quem são essas mulheres? Elas são negras? Trans ou travestis? São mulheres com deficiência? Indígenas? Correlacionar as individualidades é também colocar na prática a mentalidade inclusiva como um fator de inovação para que não se espelhe formas antigas de exclusão.
O grande risco de não olhar para a interseccionalidade quando falamos sobre Diversidade e Inclusão está no fato de que terminamos por contribuir na lógica de colocar pessoas em “caixinhas”. Um verdadeiro desafio em que não basta falar sobre PCD, mas exercitar a capacidade de enxergar essas pessoas com múltiplas características e necessidades diferentes. O que, muitas vezes, não acontece. E aí se torna comum encontrar ambientes de trabalho que alegam ter acessibilidade, mas apenas por possuir rampas. Para quem essa acessibilidade está direcionada? É preciso ouvir as pessoas e não apenas seguir modelos.
Em relacionamento (muito) sério com lideranças inclusivas
Senta aqui, precisamos conversar. O primeiro passo para quebrarmos o gelo é você imaginar, por exemplo, o último Dia das Mães. Nessa prática corporativa, de criar momentos especiais para valorizar as pessoas colaboradoras, para quais mães as ações foram direcionadas? Frequentemente, as iniciativas empresariais criam padrões normativos, com famílias de “comercial de margarina” com uma mulher, um homem, seus filhos… São mais de 11 milhões de mães solo no Brasil, um número que cresceu 17,8% na última década (Ibre-FGV, 2023). Essa representação não corresponde à realidade.
Esse é só um exemplo de muitos em que o mundo do trabalho perpetua relações “jurássicas” e que podem afastar os profissionais de se sentirem reconhecidos e pertencentes. Isso num mundo em que pesquisas já mostram como equipes mais inclusivas "tomam melhores decisões de negócios em até 87% das vezes e fazem isso duas vezes mais rápido, em metade do número de reuniões" (Forbes). E se você ainda tem dúvidas sobre valorizar essa pluralidade, que tal esse estudo do Glassdoor que relata que 76% dos profissionais e candidatos dizem que a diversidade é “um fator importante na avaliação de empresas e ofertas de emprego”?
O compromisso precisa ser verdadeiro. Não cabe apenas no discurso mais. Isso porque as gerações mais jovens, como Z e Alpha, são “mais abertas à diversidade e têm uma mentalidade mais inclusiva em relação a diferentes culturas, identidades de gênero e orientações sexuais; a preocupação com o meio ambiente e a sustentabilidade também é uma característica marcante” (SamyRoad). É nesse lugar que a interseccionalidade precisa ser um fator presente nas discussões e nas estratégias de negócios, ou seja, fazer parte da conversa com as lideranças.
Como fazer isso?
O primeiro passo é reconhecer a pluralidade de pessoas em seus traços e perfis mais variados. Dessa forma, não caia na armadilha de agrupar todo mundo em grupos homogêneos. Vá no sentido contrário, estimulando uma cultura inclusiva e interseccional para uma maior colaboração e aprendizagem. Todo mundo ganha.
Há grupos de conversa na empresa? Grupos de Afinidade? Provoque a participação de pessoas diversas e encontros que permitam troca de experiências em múltiplas perspectivas, como, por exemplo, Gênero x Raça, LGBTQIAPN+ x PCD, entre outros. Essas iniciativas vão permitir criar um senso de pertencimento e de que todo mundo pode ser ouvido. O importante é que as demandas sejam endereçadas, fomentando estratégias com um calendário de ações, compromissos internos para melhoria do ambiente da empresa, tudo que for necessário para incluir e gerar mais inovação.
Outros exemplos são shortlists de Recrutamento. A empresa pode criar meios para capacitar os times e as lideranças para avaliar a interseccionalidade dentro do viés de pessoas diversas, assim como também mexer no quadro de gerentes, dando oportunidades para identidades sub-representadas com planos de carreira e desenvolvimento a longo prazo. Ter representatividade nesses espaços contribui para que mais pessoas possam alcançar novos patamares.
Por fim, ouça e pratique a inclusão com empatia. Ninguém começa esse processo sabendo de tudo e talvez seja impossível conhecer toda a diversidade do mundo. Estar aberto e ser intencional em transformar a escuta em ação é o que, verdadeiramente, move mudanças.