O futuro do mercado corporativo é uma mulher negra: vamos colocar mais cor nessa conversa
“Sempre que eu entro numa sala de reunião, não importa o quanto eu estudei ou os títulos que eu tenho, a minha cor sempre chega primeiro.” Essa foi uma das frases que ouvi em um painel que mediei no final do ano passado num evento sobre diversidade e liderança. A fala é de uma mulher negra que atua num alto cargo de liderança de um dos maiores bancos do país. Sempre penso nessa fala porque ela resume muito bem o que é ser mulher e negra em cargos de liderança no país.
Por mais que a população negra seja mais da metade no Brasil (56%), essa maioria ainda não se reflete nos cargos de liderança no mercado corporativo brasileiro. Temos uma massiva concentração de pessoas brancas em cargos de liderança - em especial, homens e brancos. A liderança feminina e o avanço dela tem sido a grande questão desses últimos anos. É preciso reconhecer que andamos alguns passos nas cadeiras de decisão.
Segundo um estudo do Panorama Mulheres 2023, estudo feito pelo Talenses Group com o Insper, as mulheres já ocupam hoje 17% dos cargos de presidência e 26% dos cargos de diretoria, além da presença em conselhos chegando a 21%. Número ainda baixo diante da massa masculina dominante nesses espaços mas que era ainda menor anos atrás. Mas de quais mulheres estamos falando? É preciso colocar mais cor nessa conversa.
A redação recomenda
Se formos colocar cor e gênero nessa conversa, vamos nos deparar com números bem diferentes. De acordo com o último Censo da Gestão Kairós – empresa especializada em Sustentabilidade e Diversidade - mulheres negras representam apenas 3% em cargos de liderança no país. E não por acaso, estar entre esse número baixo de quem conseguiu alcançar a liderança e tem a pele preta, faz com que essas pessoas entrem nas salas de reuniões e tenham que provar toda a sua capacidade devido a cor da sua pele. Tenham que ser vistas como membro integrante e ser pensante daquela conversa para além da cor da sua pele. Precisam se impor exaustivamente no discurso para terem suas opiniões validadas para além da cor da sua pele.
Tudo isso porque, quando a gente quebra o teto de vidro do mercado corporativo, corpos negros não costumavam ocupar aquele espaço até poucos anos, mas a realidade do futuro do mercado corporativo está mudando. Vejo um futuro mais colorido para o mercado corporativo.
“Começamos a quebrar o teto de vidro blindado”
Apesar dos números ainda serem baixos quando falamos de liderança negra feminina, como diz Jandaraci Araújo, “começamos a quebrar o teto de vidro blindado”. Aquela velha expressão corporativa de que é possível ascender no mercado corporativo, mas até um determinado teto de vidro. Dali pra cima, o acesso é exclusivo, masculino, branco e heteronormativo. Assim era a regra, mas começamos a viver o mundo das exceções e que o futuro seja de exceções que viram regras.
Já de olho na necessidade de ampliar a diversidade em termos de raça e gênero nos cargos de decisão, alguns programas de aceleração de carreiras e novas regras do jogo do business têm sido criadas. Recentemente, a B3 notou a baixa presença feminina nos conselhos das empresas e estipulou nova regra para as empresas que estão listadas na Bolsa. Até 2026, essas empresas deverão ter ao menos uma mulher e um integrante de grupo minorizado (negros, LGBTQIAP+, pessoas com deficiência, indígenas) em seus conselhos de administração ou terão que se explicar sobre o motivo da não diversidade. E isso segue a regra do mercado corporativo mundial que já entendeu que ter mais diversidade nas empresas não é apenas algo justo e correto a ser feito, mas também traz muitos ganhos e benefícios em termos lucrativos e de produtividade. Só perde quem fica fora desse jogo.
Por outro lado, é preciso preparar essas pessoas e criar oportunidades para que possam ocupar esses cargos. A própria B3 criou um programa de Diversidade em Conselhos, voltado para mulheres que desejam atuar em conselhos de administração, conselhos fiscais e comitês de organizações públicas, privadas ou do terceiro setor. Um levantamento da B3 de 2022 apontou que, de cada 100 empresas com ações negociadas em bolsa no Brasil, 61 não tinham mulheres em cargos de diretoria estatutária e 37 não tinham participação feminina entre os conselheiros de administração. Um outro programa muito interessante é o Conselheira 101, que vem capacitando e incentivando mulheres negras e indígenas para que ocupem cargos nos conselhos de administração das empresas.
O grande pulo do gato
E esse é o grande pulo do gato e a virada de chave para o mercado corporativo do futuro. Quem quer ser mais diverso, mais sustentável, mais lucrativo, mais criativo, mais inclusivo tem que considerar essa conversa e tem que começar a quebrar o teto de vidro blindado para inserir mais mulheres negras nesse espaço. Até porque, seja orgânico ou por insistência, nós estamos nos preparando para isso. Hoje, mulheres negras já têm grande representatividade nos bancos universitários, por exemplo. Um levantamento recente feito pela Gênero e Número e a Agência Pública apontou que as mulheres negras dobraram a sua participação nos dez cursos mais procurados pelo Prouni, analisando os anos entre 2006 e 2020. Temos mais mulheres negras se formando em Medicina, Engenharia Civil, Administração, Pedagogia, Contabilidade, Direito…
Não por acaso, esse maior número de mulheres negras com diploma de ensino superior na mão é um reflexo também da política de cotas no país, que facilitou o acesso e ampliou a oportunidade para que pessoas negras pudessem acessar as universidades. São mulheres que saem preparadas e estão se qualificando cada vez mais para entrarem no mercado corporativo e ocuparem os cargos de comando que também são de direito a essas pessoas.
É a quebra de uma lógica ancestral criada numa sociedade onde a branquitude e, mais especificamente, homens brancos e héteros sempre estiveram no topo e com o poder da última palavra e da decisão. Só que o andar dos anos nos mostra que já existe uma rachadura nessa lógica e que o teto de vidro já não está mais tão blindado assim. E existem benefícios nessa nova dinâmica futura do mercado de trabalho, que passam por uma melhor tomada de decisão, melhor desempenho financeiro, mais criatividade, mais produtividade e a possibilidade de ter um negócio muito mais plural e considerando quase todos os olhares e narrativas. Por isso, eu vejo, sonho e acredito sim com um futuro mais colorido no mercado corporativo.
Um futuro onde uma mulher negra entre numa sala de reuniões e ocupe a cadeira da ponta da mesa. Onde uma mulher negra entre numa sala de conselho e seja vista como um membro integrante daquele grupo e não tenha que vencer primeiro a cor da sua pele para ser validada. Um futuro onde a sala de decisão seja mais colorida. Um futuro onde tenham mais de nós, mulheres negras. Então, vamos nos preparar porque o futuro costuma chegar rápido.
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