O corpo não deveria ser um problema. A gordofobia, sim.
Dos olhares às primeiras piadinhas do dia, começar a rotina no escritório, muitas vezes, parece mais desafiador se o seu corpo parece dizer mais sobre você que o seu currículo.
Para um corpo gordo, os números reforçam o preconceito: no Brasil, quase 98% das pessoas gordas já sofreram algum ato de gordofobia e metade dos brasileiros lidam com colegas de trabalho que fazem piadas sobre o seu corpo ou com foco em outras pessoas gordas. O julgamento se utiliza de estereótipos como “preguiçosos”, “desleixados” para apoiar atitudes discriminatórias, reforçando um lugar de padrões de aceitação social.
Ser “menos” por não ser o corpo lido como “ideal”. Uma pressão que também tem recortes de gênero, quando pensamos que mulheres sofrem ainda mais com questões estéticas no mercado de trabalho. Assim, quais os efeitos da gordofobia na cultura de uma empresa? Precisamos mesmo voltar alguns passos para trás e desconstruir ideias tão comumente naturalizadas sobre a aparência física que pareceriam óbvias?
Ganhando menos, recusados em processos seletivos e ficando nos bastidores
Recusadas em processos seletivos, não aprovadas em exames admissionais por alguns casos de obesidade, questionadas frequentemente sobre o seu peso e, até mesmo, confrontadas por lideranças a perderem alguns quilos. Para tantas dessas pessoas, os cenários são muitos e estão longe do achismo. Segundo o Mapeamento da Gordofobia no Brasil de 2022, pouco mais de 29% das pessoas entrevistadas afirmam ter dificuldades de acessar o mercado de trabalho e 8% delas relatam que os empregadores preferem que a pessoa gorda não lide diretamente com clientes. Fique apenas nos bastidores.
A redação recomenda
Para além da imagem, o problema também é visível nos uniformes, nas cadeiras, mobiliários do escritório, cabines, banheiros, questões de acessibilidade estrutural inadequada. Há quase 10 anos, uma pesquisa da Catho mostrou que 65% dos presidentes e diretores de empresas tinham resistência em contratar pessoas gordas. Tempo vai, tempo vem, e a pauta de Diversidade e Inclusão ainda sofre resistência para implementar políticas que acolham corpos diversos.
Uma questão de cultura
Quando o assunto é a decisão sobre quem contratar, 11% dos executivos de gestão de pessoas disseram que o peso dos candidatos foi um fator determinante. Quem conta é o Wall Street Journal sobre uma pesquisa realizada nos EUA. E isso reflete também no bolso, pois mulheres consideradas obesas chegaram a ganhar US$ 5,25 a menos por hora do que as mulheres dentro do padrão de peso considerado normal (Universidade de Vanderbilt, 2014). Bom, ainda falamos mais sobre remédios para emagrecimento e estamos hiperestimulados a informações sobre vida fitness e abdomens definidos do que sobre competências e habilidades.
O culto à magreza da mídia está cada vez mais forte, em contraponto aos anos em que também falamos um pouco mais da onda Body Positive e da aceitação. Não é coincidência que até mesmo as redes sociais precisaram bloquear termos e hashtags como #legginglegs para evitar o compartilhamento de imagens corporais que incentivem comportamentos depreciativos. Especialmente, para os mais jovens.
O óbvio precisa ser dito: o que devemos excluir é o preconceito
O preço a ser pago é alto. Isso porque a consequência está, exatamente, no quão o tema ainda é invisibilizado na rotina do escritório. Sentimos, ouvimos, mas ignoramos os impactos da discriminação. Principalmente, quando nos deparamos com a saúde mental. Ambientes que reproduzem esse tipo de preconceito, de forma inconsciente ou não, gera uma cultura hostil a corpos diversos, levando à queda de produtividade, engajamento, motivação, aumento da rotatividade e uma reputação negativa.
A criação de espaços de educação, letramento, revisão da acessibilidade, além de políticas inclusivas, de apoio psicológico e de combate ao assédio moral, vão além de ser apenas ferramentas importantes. São essenciais, certo? Por isso, não há como deixar de lado o que os números entregam de forma tão bruta. Ou conversamos e conscientizamos sobre as práticas que precisam ser revistas ou continuamos num retrocesso que afasta a construção de espaços mais inclusivos.
E o reforço nunca é demais: Diversidade e Inclusão é também reflete no bolso e na inovação, gerando até 60% a mais de faturamento (Deloitte, 2021). E é preciso que isso também esteja além do discurso, mas nas ações, desde o recrutamento, passando pelo onboarding e a experiência da pessoa colaboradora, até o offboarding.
As barreiras com a gordofobia no mundo do trabalho revelam os efeitos e as falhas estruturais de toda a sociedade. E não há futuro do trabalho possível sem que a gente compreenda que vale a pena sentarmos um pouco e trazermos visibilidade para corpos diversos. Vale a pena olhar para o lado e ver representatividade na prática, combatendo tudo aquilo que está velado e silenciado pelo que, por muito tempo, consideramos “natural”. O primeiro passo é olhar para nós mesmos.
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