A fuga das lideranças: a ameaça da Ambição Silenciosa ou Quiet Ambition?
Estamos mais frustrados com o trabalho? A desmotivação é um cenário cada vez mais frequente nos 1:1 de feedbacks das empresas? Quando fazemos perguntas, imaginamos respostas possíveis para uma visão mais ampla e até preditiva. Bingo! A receita para erros mais comuns na rotina profissional está aqui. Afinal, a realidade tem sido muito mais complexa, instável e incerta que as previsões e o reflexo disso se vê nos talentos.
Não à toa, empregadores relatam que está mais difícil encontrar pessoas para ocuparem os cargos certos. Fala-se de requalificação, aprendizagem contínua, estratégias de felicidade no trabalho, flexibilidade e, sim, são caminhos. Bons caminhos. Mas isso tudo tem a ver com uma perspectiva que vem se tornando uma pauta sem opção de “pular” para quem cuida de pessoas: nós mudamos a nossa ambição. Tanto que há um movimento de pessoas rejeitando cargos de liderança e priorizando a realização pessoal.
Os efeitos das transformações tão aceleradas dos últimos anos no mundo do trabalho, que acompanha o conceito de Ambição Silenciosa, colocaram em xeque tudo que moldava a ideia de um “emprego dos sonhos” ou a “carreira da vida”. Ainda há pessoas que acreditam em modelos mais tradicionais e esse é também um outro desafio que vamos detalhar mais pra frente. Primeiro, vamos entender melhor sobre ambição.
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“Alexa, defina ambição!”
Com um dicionário em mãos ou com a ajuda dos assistentes virtuais, a gente consegue entender que ambição se define “desejo veemente por poder ou superioridade/ grande vontade de realizar ou atingir algo”. Trocando as palavras, também podemos chegar em uma ideia de “sucesso” ou “aspiração”. Então, onde começamos a nos aproximar de um jeito diferente de enxergar esse conceito ou trazê-lo na prática?
Bem, não foi só a pandemia e a mudança de valores e ideias globais, com A Grande Resignação, a Demissão Silenciosa, ou outras tendências. A chegada, com força, da Geração Z também provoca novos abalos naquilo que se tinha como certo: “precisamos de uma carreira sólida, ótimos salários e nos tornar líderes. É o caminho para se ter ambição”. Talvez, dos nossos pais ou de quem ainda vê no trabalho menos propósito e mais estabilidade. E crescemos com um ideal a ser preenchido e continuado sempre estimulando a pressão do sucesso de “trabalhar mais, fazer mais, ocupar cargos” sem que questionássemos o que é, de fato, sucesso ou ambição.
Nessa equação, estávamos desconsiderando a diversidade, as individualidades. E nesse caminho de volta para uma busca por autoconsciência, deparamos com novas questões de um milhão de dólares. Afinal, hoje estamos vivendo a Quiet Ambition, ou Ambição Silenciosa. Ou seja, no mundo, as pessoas estão se interessando menos em se tornar líderes, em subir de fases no trabalho em prol do tempo para si. O “trabalhar apenas por trabalhar” pode não fazer mais sentido e isso vem provocando certos arrepios na hora de pensar o futuro.
A razão não é 100% simples, mas bem clara. Apenas 4% dos funcionários (de mil entrevistados pela Visier) citam ser promovido ao alto escalão de uma empresa como uma ambição importante. 38% estão interessados em se tornar gestores de equipes na empresa em que trabalham e 62% preferem permanecer como estão, sem pessoas abaixo. Os motivos para esses resultados para 91% deles são as responsabilidades associadas à liderança. Ser líder é igual a: ter mais estresse ou pressão, trabalhar por mais horas, ainda que os salários sejam grandes incentivos.
O que queremos? Quando queremos?
A Randstad foi atrás para conhecer um pouco melhor esses perfis num estudo recente. O Workmonitor 2024 mostra que, para quase dois terços das pessoas entrevistadas, a vida pessoal supera a profissional em nível de prioridade. Quando perguntadas sobre equilíbrio, as pessoas o colocam lado a lado a salários mais altos e remuneração em suas preferências no geral (93%). E, olha só, mais da metade (51%) permaneceria em uma posição de trabalho que gosta, mesmo sem chance de progressão de carreira.
No caso do Brasil, para 56% dos jovens estudantes ou recém-formados, o mais importante para a sua carreira é a qualidade de vida (Carreira dos Sonhos 2023, Cia de Talentos). O contraste aparece quando comparamos os números de cinco anos atrás do mesmo estudo: a prioridade para a maioria dos jovens entrevistados (67%) era o sucesso profissional. Surpreende?
Para quem já vem falando bastante sobre equilibrar a vida pessoal e profissional, com ambientes mais flexíveis, foco em saúde física e mental, rotinas menos exaustivas e aumento da produtividade, as prioridades conversam com uma mudança de valores importante. Isso porque é preciso um impulso para valorizar habilidades, desenvolver talentos e compreender a vida no trabalho como uma parte do todo. Se passamos horas dedicadas a isso, como torná-las mais satisfatórias e conscientes? O papel é de todos e vai da autoconsciência aos modelos de gestão e cultura empresarial.
Na prática, é fundamental conhecer quem trabalha ao nosso lado e repensar a ambição. Uma mulher, mãe, periférica, que trabalha presencialmente durante a semana, tem desejos e necessidades muito distintas de um homem de classe média em home office. Ainda que a gente possa oferecer flexibilidade e outros benefícios, não se pode ignorar os recortes necessários até mesmo quando falamos que “pessoas não desejam mais cargos de liderança”. Para um estudo da McKinsey e da LeanIn.Org, a cada mulher promovida a diretora, duas estão pensando em deixar os cargos atuais. Falta de flexibilidade, de crescimento e tratamento desigual foram apontados pelas entrevistadas.
Um futuro não se faz sem líderes
Mudam-se os fatores, os resultados parecem ainda serem os mesmos. Então, fica fácil cair nos clichês. “Geração de preguiçosos”, “temos as mesmas horas que todo mundo”, são pensamentos que podem virar armadilhas para soluções que questionem o mundo do trabalho e abracem a diversidade. Será que os modelos de liderança e as habilidades necessárias estão correspondendo ao que se precisa para transformar empregos em carreiras desejadas?
Parece que apenas olhar os números pode dar uma visão coerente, aplicável e justa. Mas, na verdade, se não olhamos os dados, questionamos metodologias e investigamos mais a fundo os desafios, corremos o risco de cair no mito de que progredir, ter ambição na carreira, é um conceito igual para todo mundo. E não estamos falando de um tempo qualquer, mas de um em que a busca por uma vida que se equilibra com o trabalho e nos ofereça sentido, estabilidade, tempo de qualidade, pode ter mais definições do que pensávamos.
O caminho é a adaptação. Redesenhar as expectativas, construir uma cultura de liderança humanizada, colocando as pessoas no centro, com escuta ativa. O plano, assim, não será o mesmo para todas as empresas, mas aqui não há uma rota de fuga. Há uma oportunidade.
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